A DECO PROTESTE organizou uma reunião para debater a rotulagem dos alimentos. Os sistemas Nutri-Score ou Traffic Lights foram os grandes visados num debate que juntou nomes sonantes do retalho e da área alimentar.

O auditório do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) encheu-se de pessoas de todos os quadrantes da sociedade para debater a importância de clarificar a rotulagem alimentar, numa conferência com o tema "Rótulos dos alimentos - Escolhas informadas".

Rotulos dos Alimentos escolha

A legislação obriga a que as embalagens contenham cada vez mais informação (de ingredientes, de validade, entre outros), mas nem sempre essa informação é clara ou percetível pelos principais destinatários: o consumidor. É precisamente por isso que o organismo da Defesa do Consumidor está a apoiar a adoção do Nutri-Score, uma espécie de logótipo que faz uma análise do valor nutricional dos alimentos embalados e processados, atribuindo-lhe uma classificação com a ajuda de um código de cores e das letras de A a E. O objetivo é, dentro de uma mesma categoria, perceber rapidamente qual é o melhor alimento em termos nutritivos, comparando, por exemplo, marcas de cereais com marcas de cereais e não com iogurtes.

A explicar a lógica e a fundamentação científica do código esteve o investigador responsável pela criação do código, Serge Hercberg. Com formação em medicina e especialização em nutrição, Hercberg apoiou o sistema em mais de 40 estudos científicos e diz que o objetivo primordial é permitir que o consumidor faça “escolhas saudáveis e compare facilmente vários produtos alimentares”. Aliás, o sistema pretende ajudar a que os fabricantes de alimentos processados possam inovar e melhorar as suas receitas, em prol da saúde pública. Para o Nutri-Score, os alimentos associados ao desenvolvimento de doenças crónicas, obesidade e cancro serão sempre os piores cotados, de modo a incentivar a alterações no estilo de vida, independentemente da disponibilidade financeira do consumidor.

Nutri-Score vs. Traffic Lights: qual o melhor?

A Sonae, com a insígnia Continente, foi pioneira, há 11 anos, a introduzir o sistema Traffic Lights (semáforo), nas embalagens das suas marcas próprias, em Portugal. Um sistema que apresenta informação com uma codificação de cores, mostrando, por exemplo, os teores de sal e de açúcar nos alimentos. Ondina Afonso, em representação da empresa, explicou que o semáforo se baseia no sistema inglês e que têm continuado a fazer estudos e comparações com o novo sistema. “Se eu for hipertensa, com o Nutri-Score será difícil perceber se um alimento tem muito sal ou não, e o com o Semáforo consigo sabê-lo!”, diz.  A executiva da Sonae receia que alguma iliteracia possa levar a más escolhas, por parte do consumidor, se interpretar que uma Pizza, classificada com um “B” pelo Nutri-Score, possa ser tão boa para a saúde como um iogurte, também ele classificado com um “B”, levando o consumidor a fazer um consumo mais frequente. “Nenhum dos sistemas é perfeito e até podem ser complementares”, sublinha, acerca da hesitação na adoção do Nutri-Score.

Ondina Afonso - Sonae MCOndina Afonso - Sonae MC

Pedro Neves, da Danone, recorda que é essencial “explicar aos consumidores o que é o Nutri-Score e como é que se lê. Não basta colocar os logos na embalagem. Vai ser necessário criar campanhas para explicar o que é esse sistema de rotulagem”.

“A indústria tem três obrigações face aos seus consumidores. A primeira é fornecer opções nutricionalmente saudáveis. A segunda é informar os consumidores acerca dos produtos que lhes oferece e a terceira é rotulá-los. A maioria das decisões de compra é tomada no ponto-de-venda, em frente à prateleira, num momento muito rápido de decisão. Então, aderimos porque o Nutri-Score tem uma base científica comprovada e tem um racional que é o seguinte: nós precisamos que o consumidor possa ser informado naquela fração de segundo. E o Nutri-Score é, possivelmente, o que mais rapidamente o faz”, explica Gonçalo Granado, da Nestlé.

Paulo Monteiro, a representar o grupo Auchan em Portugal, refere que a discussão já não passa pela adoção de um sistema, mas por saber qual. O grupo já adotou o Nutri-Score noutros países e espera fazê-lo em Portugal também. “O que me parece um dos grandes méritos é a capacidade de ajudar o consumidor no linear. Porque mesmo a optar por um produto de uma única categoria, por vezes tem de olhar para os rótulos de dez produtos diferentes, recorrer a uma “calculadora mental” que lhe permita articular, comparar toda a informação, e escolher o que tem um melhor equilíbrio nutricional. É um exercício impossível e, nesse sentido, o Nutri-Score é um passo muito significativo!”, defende.

Goncalo Granado e Francisco Sena SantosGoncalo Granado e Francisco Sena Santos

O primeiro painel subordinado ao tema “A importância dos sistemas de rotulagem na relação com o consumidor”, moderado por Francisco Sena Santos, terminou com uma viva discussão com a plateia onde surgiram questões e preocupações, com um consenso generalizado de que, possivelmente, a melhor opção seria a integração dos dois sistemas.

Uniformizar tem vantagens?

Um segundo painel de discussão contou com as participações de Dulce Ricardo, da DECO PROTESTE, Alexandra Bento, bastonária da Ordem dos Nutricionistas, Marta Borges, da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária, e Isabel Castanheira, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge. O tema: as vantagens da uniformização dos sistemas de rotulagem nutricional.

Isabel Castanheira defende que é necessário encontrar um sistema único e que a Europa enfrenta dificuldades, nomeadamente devido à livre circulação de bens entre países. Temos que estudar os modelos e apresentar evidências aos decisores políticos e à indústria, no sentido de se fazer uma escolha consensual”, refere.

 “Há vantagens para o cidadão na uniformização. Eu diria até que há urgência. O cenário das doenças, no nosso país, mostra que temos hábitos alimentares inoportunos. Temos erros alimentares, ou porque não nos sabemos alimentar (a iliteracia) ou porque não podemos (não temos acesso físico ou económico)”, diz Alexandra Bento, a bastonária da Ordem dos Nutricionistas.

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Marta Borges, da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária, referiu, por seu lado, que qualquer um dos sistemas representa aquilo que é considerado uma "alegação nutricional", e que é necessário ter muito cuidado na adoção de qualquer sistema. Dulce Ricardo, técnica alimentar da DECO PROTESTE, lembra, porém, que a Alemanha, Bélgica, Espanha, França, Países Baixos e Suíça já adotaram o sistema e que não houve objeção por parte da União Europeia, apelando ainda para que os portugueses assinem uma petição que deverá reunir, até 8 de maio de 2020, um milhão de assinaturas para tornar o Nutri-Score como o sistema obrigatório no espaço dos 28 países da União Europeia.

Maria João Gregório, do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, da Direção-Geral da Saúde (DGS), que fez uma intervenção, foi perentória ao afirmar “a DGS apoiará qualquer sistema de rotulagem nutricional simplificado", embora ainda exista trabalho a fazer.

 

Artigo publicado na Revista Packaging #33